17 de junho de 2015

O AMIGO IMAGINÁRIO (Conto) - autor Kiko Zampieri



Sabe aqueles dias em que nada dá certo. Que você se sente o último dos homens no mundo. Um mundo sem ninguém. Aquele sentimento amargo na boca. A sensação de ter tomado um soco na boca do estômago. A perda de sensibilidade nas pontas dos dedos. A fraqueza nos membros inferiores. Ou como se estivesse caindo num buraco bem, mas bem profundo. Assim estava eu nesse dia ensolarado, sentado na beira de um penhasco, próximo do bairro onde morava, em Atibaia. Olhar morto no horizonte baixo. Vento remexendo meus ralos cabelos e suspiros, choro da alma, como dizem os velhos poetas, profundos. Pensei em descomungar sobre essa vida lerda, mas me contive, afinal a vida era minha, então eu era o lerdo e não a vida. Quase que dei uma melhorada com esse pensamento estapafúrdio, porém voltei ao pessimismo pegajoso, que me acompanhava desde que cheguei naquele lugar.
A região era muito linda e bem aproveitada por praticantes de paraquedismo, asa delta e tantos outros, que nem me lembro os nomes, e desde a minha infância que me sento nesse mesmo lugar, só que das outras vezes, era para me divertir com as cores misturadas no azul do céu. Hoje não. Hoje nem o azul do céu rompe o cinzento dos meus pensamentos e para os meus olhos, que tantas cores viram, agora estão daltônicos.
Na solidão a melhor coisa é criar um amigo imaginário, de preferência inteligente, vivido, sagaz e principalmente amigo. Fiz isso, mesmo com meus cinquenta anos, voltei no tempo e comecei a conversar com esse cara, que realmente, não me lembrava dele, porém parecia que éramos bem íntimos.
- E aí, meu amigo! Disse ele como se aguardasse uma avalanche de reclamações.
- Preciso desabafar! Respondi, já embaraçado com a própria situação que eu mesmo havia criado.
- Pelo que pude observar, posso fazer uma analogia da sua vida com o “Status quo.”
Pronto lá vinha ele com suas locuções latinas, tiradas da internet.
- Está sim, senão qual seria o motivo para chamá-lo?
- Calma, my friend! Só estou querendo quebrar o gelo.
Essa era outra coisa que odiava, expressões inglesas, para tentar enaltecer a sua frase medíocre.
- Ok! Nossa até eu já estou sendo impregnado. Mudei. – Está bem! Quero te contar o que está acontecendo e preciso muito da sua ajuda.
- Sou todo ouvido! Riu.
- Sabe a Olivia, minha esposa? Me deixou.
- Já era de se esperar. Só você não percebia.
- Como assim? Questionei transtornado com a frieza dele.
- Simples. Mulher gosta de ser tratada como uma joia rara, que deve ser apreciada, elogiada e guardada a sete chaves. E o que você fez? Nada.
- Como nada! Dei tudo a essa mulher, casa, carro, academia, roupas, joias, o que mais podia dar?
- Amor, atenção, surpresas poéticas, despertar seus desejos e muito sexo.
- Fiz tudo isso também.
- Quando? Nas Bodas de Papel? Infeliz! Isso é coisa para toda a vida.
- Me mostre um casamento que é assim.
- Nenhum! Por isso há um aumento de divórcios e separações. Casamento já nasce morto.
Não estava acreditando que tivera todo trabalho de trazer esse cara para conversar comigo, parecia pior do que eu nas questões sentimentais. Porém era o que tinha naquele momento.
- Perdi meu emprego também. Foram vinte anos dedicação e agora me chutaram.
- Bem feito!
- Bem feito! Cara, eu te trouxe para me ajudar e não ficar me massacrando.
- My friend! Se você queria confessar seus pecados, deveria ter ido a uma igreja. Eu gosto de questionar, discutir relação, ponderar e ajudar o meu amigo a encontrar as respostas.
- Tá certo!
- Continuando, um cara que fica vinte anos num emprego é como um parafuso velho deixado no fundo de uma prateleira de um almoxarifado. Quando o acham já está enferrujado e jogam fora. Você deveria ter se diversificado, atualizado, estudado e ambicioso.
Poxa! Não é que ele tem razão. É isso mesmo, vou ligar para Olivia e pedir para que ela volte para casa e vou procurar um novo desafio profissional. Procurei pelo meu celular, mas não o encontrei, tentei me levantar para poder procurar um telefone público, mas não conseguia me mover.
- Que pensas estar fazendo? Disse o amigo imaginário
- Preciso ligar para Olivia.
- Que eu saiba, aqui no segundo vale do Sétimo Círculo não há sinal e como você é uma árvore, jamais irá sair daqui. Disse ele se levantando.
Abismado, assustado e ainda mais desorientado, pude ouvir um grito ao longe:
- Vamos Dante, há muito que caminhar por esse Inferno.

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