19 de junho de 2015

A MENINA DA RUA DE TERRA



Lá vem ela pela rua, faceira e feliz, sempre sorrindo, mesmo nos dias de chuva torrencial. Ela me vê entre as grades do portão de ferro e acena, gentilmente, e continua seu caminho. Dali dá pra vê-la abrir o pequeno portão e sumir da minha vista.
Assim são todos os dias, há quase vinte anos, sempre olhando pelas frestas do meu portão. Com a vontade de gritar para ela o quanto a amo, toda vez que ela passa pela frente da minha casa.
Eu a amo, antes e depois de todos os acontecimentos, na profunda imensidade do vazio e a cada lágrima dos meus pensamentos. Em todos os ventos que cantam, em todas as sombras que choram, na extensão infinita dos tempos até a região onde os silêncios moram.
Eu a amo em todas as transformações da vida, em todos os caminhos do medo, na angústia da vontade perdida e na dor que se veste sem segredo. Em tudo que está presente, no olhar dos meus olhos que não te alcançam e em tudo, mesmo que estejas ausente.
Eu a amo desde o primeiro choro, desde os seus primeiros passos e antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Se fechar meus olhos ainda posso vê-la correndo pela rua de terra, mais parecendo um menino serelepe, subindo nas árvores, jogando bola com os meninos, empinando pipa, jogando bolinha de gude. Os pezinhos vermelhos do barro molhado, os cabelos desarrumados, o shortinho vermelho e a camiseta branca e o mesmo sorriso em seus lábios.
Eu a amo perdidamente, desde que o Universo fora criado e mesmo depois que o mundo real desabou sobre a minha vida e paralisou meu corpo e me colocou nessa cadeira de rodas.

Amanhã será um novo dia e vou atravessar o meu quintal, deslizando as rodas emborrachadas pelo cimento rústico até as barras de ferro do portão e esperar que a minha menina da rua de terra, passe e me acene, finalizando o meu dia e me incentivando para estar ali no dia seguinte.

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