Lá vem ela pela rua, faceira e feliz, sempre sorrindo, mesmo nos dias
de chuva torrencial. Ela me vê entre as grades do portão de ferro e acena,
gentilmente, e continua seu caminho. Dali dá pra vê-la abrir o pequeno portão e
sumir da minha vista.
Assim são todos os dias, há quase vinte anos, sempre olhando pelas
frestas do meu portão. Com a vontade de gritar para ela o quanto a amo, toda
vez que ela passa pela frente da minha casa.
Eu a amo, antes e depois de todos os acontecimentos, na profunda
imensidade do vazio e a cada lágrima dos meus pensamentos. Em todos os ventos
que cantam, em todas as sombras que choram, na extensão infinita dos tempos até
a região onde os silêncios moram.
Eu a amo em todas as transformações da vida, em todos os caminhos do
medo, na angústia da vontade perdida e na dor que se veste sem segredo. Em tudo
que está presente, no olhar dos meus olhos que não te alcançam e em tudo, mesmo
que estejas ausente.
Eu a amo desde o primeiro choro, desde os seus primeiros passos e antes
do primeiro riso e da primeira mágoa.
Se fechar meus olhos ainda posso vê-la correndo pela rua de terra, mais
parecendo um menino serelepe, subindo nas árvores, jogando bola com os meninos,
empinando pipa, jogando bolinha de gude. Os pezinhos vermelhos do barro
molhado, os cabelos desarrumados, o shortinho vermelho e a camiseta branca e o
mesmo sorriso em seus lábios.
Eu a amo perdidamente, desde que o Universo fora criado e mesmo depois
que o mundo real desabou sobre a minha vida e paralisou meu corpo e me colocou
nessa cadeira de rodas.
Amanhã será um novo dia e vou atravessar o meu quintal, deslizando as
rodas emborrachadas pelo cimento rústico até as barras de ferro do portão e
esperar que a minha menina da rua de terra, passe e me acene, finalizando o meu
dia e me incentivando para estar ali no dia seguinte.
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