31 de dezembro de 2007

OLHA O PACOTÃO AÍ

Livros que eu recomendo a leitura:











CONTOS NEGREIROS, de Marcelino Freire
Leitura rápida, em que não se demora mais de uma hora para se devorar o livro por inteiro. Ritmo de RAP, sem virgula, sem dó. Duro e lírico; Marcelino conseguiu algo muito interessante, a fusão de linguagens. E esse feito foi reconhecido; esse foi o ganhador do prêmio Jabuti de 2006 na categoria contos. Vale a pena.











VERNON GOD LITTLE, de DBC Pierre
DBC [Dirty But Clean (sujo, porém limpo)] Pierre nasceu na Austrália mas cresceu no México e se declara mexicano; e usa muito do seu pais nessa sua fantástica história. O protagonista da história é um moleque chamado Vernon Gregory Little, e a sua linguagem é própria de um moleque americano encrencado por ser considerado cúmplice do amigo que abriu fogo contra os colegas da escola. O livro é uma porrada, escrita em primeira pessoa. No começo é difícil e de engrenar, mas do meio pro fim, você não consegue mais parar de ler.














GUERREIRA, de Alessandro Buso
Edição lançada pela editora Global, Guerreira é o terceiro livro de Alessandro Buso, e o melhor deles. Romance em ritmo de roteiro de cinema, cheiro de cortes de cenários, tempos e ações. Da queda, à ascensão, voltando para a queda, e outra ascensão. Uma roleta russa de ações e sentimentos diferentes. Muita ação, ao gosto de leitores como eu. À venda em qualquer livraria, mas se você preferir, pode comprar diretamente com o próprio autor, na sua loja Suburbano Convicto, que aliás é o título do segundo livro dele, situada no Itaim Paulista, na rua Nogueira Viotti, 56. Antes, é bom dar uma ligada para confirmar se o autor, que é muito ocupado, estará na loja.
Fachada da loja Suburbano Convicto
























MEU ANDAR SOBRE RODAS, de Tatiana Rolim
Autobiografia da psicóloga que trabalha na mesma empresa que eu. Aos dezessete anos, ela foi violentamente atropelada por um caminhão, enquanto andava de bicicleta. Aquele, para ela, e naquele momento, foi o fim de muita coisas, muitos planos e sonhos. Mas ela conta no livro como conseguiu por a cabeça no lugar, voltar a sonhar e buscar a realização desses sonhos. Tão boa quanto a história contada é a forma dela ser contada, e Tatiana é uma excelente escritora. Ela consegue algo muito difícil numa biografia, ainda mais numa autobiografia, ela faz com que a gente leia a sua biografia como se fosse um romance; parece ficção. E esse é um mérito, e só por esse mérito já é merecida a leitura de sua obra. Para adquirir o livro, recomendo acessarem o site da autora: http://geocities.yahoo.com.br/tatianarolim













OS INSONES, de Tony Bellotto
Este é o sexto livro do guitarrista dos Titãs. Sexto e melhor deles, na minha opinião. O romance mostra um traço urbano e violento da realidade brasileira. Rio de Janeiro: caos, tráfico, facções criminosas, asfalto, luxo em decadência; narrado em terceira pessoa, mas focado no ponto de vista de um ingênuo, e pretensioso, líder guerrilheiro chamado Samora, um negro criado na classe média e que tem o ideal de fazer uma revolução na américa-latina, a começar pelas favelas do morro carioca.


Por enquanto é só. Mas pra frente, mais coisas.
Difícil, eu entendo, vai ser arranjar o dinheiro para comprar esse livros. Mas, às vezes, é tudo uma questão de escolha. Escolhi os livros, discos e filmes, e isso explica porque o par de tênis mais novo que tenho já tem mais de quatro anos.
Escolhas.

Façam as suas!

28 de dezembro de 2007

DESTINOS HUMANOS IMUTÁVEIS (Conto)

No meio da noite acordei com a bexiga doendo; fui ao banheiro urinar, na volta, enquanto tomava um copo d’água, escutei um som distante, um estampido seco, de um tiro. Cinco segundos depois, outro disparo; mais cinco segundos e outros quatro disparos seguidos; fiquei atento, de orelha em pé, para o que se passava há poucos metros de minha casa. Os tiros deram uma trégua; pude ouvir uma voz fraca, tentando gritar, mas lhe faltava forças: “Estão me matando! Estão me matando!”. Em menos de dois minutos os disparos voltaram a se suceder; eu voltei a dormir; aquela, de certa forma, não era mais uma novidade pra mim. No dia seguinte, comentou-se que um homem havia sido morto com quinze tiros, ao pé do escadão que dava para rua de cima, onde as pessoas subiam todo dia, para pegar os ônibus das linhas que passavam pelo centro da cidade.
Embora eu não tivesse curiosidade de urbuzar o morto, era impossível ignorar a presença de um cadáver a menos de trezentos metros da minha casa. Na rua onde se encontrava o morto, não havia muita gente aglomerada em torno dele; talvez porque já fosse dez da manhã e o assassinato, o cadáver coberto por sacos pretos de lixo, deixando as pernas semi-abertas descobertas e as súplicas de clemência do infeliz durante seu assassinato na madrugada já haviam se tornado notícia relativamente velha e não haveria porquê requentá-la mais que devido. A molecada jogava bola e ignorava a presença de um ser humano morto logo ali; eles estavam acostumados com cenas como aquela, muitas vezes até faziam disso uma diversão; me lembro de um dia vê-los brincando, correndo pra cima e pra baixo, puxando uma linha, cuja uma das pontas estava amarrada pela calda uma ratazana morta do tamanho de um gato. Em dado momento um dos meninos deu um chute e a bola acabou acertando a cabeça do defunto; o som da bola batendo na cabeça coberta pelo saco plástico tirou alguns risos de muitos que olhavam de longe; apenas os mais velhos, que ainda não haviam se acostumado ainda com as barbaridades que viam diariamente na favela – esses homens e mulheres de mais de quarenta anos de idade cresceram numa época em que a violência tinha cara, nome e endereço; os bandidos esperavam a madrugada, vestiam-se de preto, cobriam o rosto com um lenço de seda e cometiam seus assaltos valendo-se, muitas vezes, apenas de um canivete; na maioria das vezes o revólver era só para assustar; e ainda que fossem ladrões e assassinos, havia respeito e uma espécie de código de ética entre eles mesmos e de seu modo de agir com suas vítimas; eles morriam de medo da polícia, “as autoridades”, que eram chamados de mocinhos nos filmes, confiáveis e cumpridores da lei e da ordem, caso ela fosse violada ou ferida.
Hoje em dia é pé no peito, chute no saco e tapa na cara de todos os lados, a qualquer hora do dia ou da noite. A bandidagem esculacha, a polícia esculacha, os patrões esculacham, a televisão esculacha, o governo esculacha. Estão todos se acostumando a serem tratados como objetos de pouca valia, como lixo comercial de terceiro mundo. A criançada de hoje cresce sabendo que o mundo visto em comercial de banco, de telefonia móvel, de cerveja, de pasta de dente, de refrigerante, de carro, de desodorante, e de planos de previdência privada só é possível e só lhes pertencerá por meio do dinheiro, e para ter dinheiro no Brasil só roubando, como os políticos fazem a torto e a direito.
Ao meio-dia, finalmente, o rabecão do IML dignou-se a vir buscar o corpo que já começava a feder e a se decompor.
Voltei pra casa e almocei. Aquela cena não tirava mais o meu apetite.

23 de dezembro de 2007

MAIS UM DIA

Pelas ruas da grande metrópole a miséria levanta sua minissaia e exibe suas pernas, que outrora reluziam no furor da juventude, mas que agora, não escondem mais a decadência e a pouca curiosidade que lhe restou. Há que se andar com o nariz tampado, tomando cuidado para não tropeçar nos mendigos que se multiplicam pelas ruas sujas e enegrecidas do centro de toda e qualquer cidade metropolitana do Brasil. Os sentimentos se confundem; revolta, raiva, vergonha, medo, pena, tristeza, desilusão e desgosto. O sol do meio-dia vai queimando o asfalto e azedando o cheiro de urina e suor; nas portas das lojas de roupas e calçados de quinta categoria em promoção as almas se aglomeram, acotovelam-se, misturando suas fragrâncias dos desodorantes de essência de alfazema. A tarde cai e o crepúsculo avermelhado do pôr-de-sol se confunde com as cores dos luminosos de néon das boates e cinemas pornôs que têm seu movimento aumentado consideravelmente. Vem a noite, o frio e o calor; o cheiro de bebida e o som ligado em alto volume tocando forró, pagode e música sertaneja. O frege da putaria parece ecoar o som de um monstro de sexo, decadência e fetiches. A madrugada avança, o furor vai diminuindo, o silêncio e o sereno se impõem sobre todas as orgias e frustrações ocorridas horas antes; o perigo espreita. Os inimigos gostam de matar e roubar no limiar rotundo entre o fim da noite e o orvalho da alvorada. Os ônibus voltam a circular pelas, o dia mostra sua cara amassada e no céu o sol insurge novamente, convidando o mundo a apreciar mais um dia pleno, inútil e intenso, como todos os outros dias do ano.