30 de março de 2007

O Rato no Quintal

Oh, meu bem
Eles não respeitam mais ninguém
Para te humilhar, cospem no teu rosto
E não podes encará-los nos olhos

Meu bem
Eles são cruéis mesmo
Às gargalhadas eles atiram à queima-roupa
A consciência deles é feita de éter
Eterna perseguição nos é imposta

Oh, meu bem
Eles são muitos
Estão armados, não têm medo, não têm futuro
Eles jamais terão compaixão

Meu bem, meu bem
Para eles o respeito é uma vidraça a ser quebrada
Estão nos encurralando
Estão minando nossa resistência
Eles estão vencendo

Oh, meu bem
Meu bem, me diga
Quem são eles? Onde estão?
O que realmente querem?
O que podemos fazer?

Mas meu bem
Eles são realmente eles?
Será que nós não somos um pouco eles?
Será que nós não os estamos alimentando?
Eu só sei de uma coisa meu bem
Eu não estou mais agüentando

27 de março de 2007

Dialética

Quem tem algo mais a dizer
Levante a mão, solte o pigarro
E brade em alto e bom som,
Defenda sua verdade, esconda suas mentiras
Ignore a sanidade e manipule os fatos
Cada um tem a sua própria razão
E quase sempre ela é maior que o bom senso
Mesmo sendo castigado pelo ressentimento
Pago só pelo faço e não pelo que penso

Eis então o bom cidadão,
Eis em ação o bom cidadão:
Exigindo seus direitos, negando seus deveres
Fazendo o que não quer, querendo não querer
Desejando o que não pode, sem ter o que fazer
Fazendo o que não deve, devendo sem saber
Sabendo que não sabe e fingindo esquecer,
Esquecendo de viver, pensando em prazer
Vendo o próprio fim sem nada poder fazer

E terminado seu discurso
Se acomode em seu lugar
Faça silêncio e ouça tudo
Esperando a hora de acabar
Volte pra casa e sinta-se bem
Afinal, como diz o ditado:
“Quem tudo quer, nada tem”
Viva em paz com sua dor
Que eu disfarço meu rancor também

24 de março de 2007

Metrópole

Cada animal com seu instinto
e cada verme com seu partido;
Das desgraças, das quais consinto,
a ignorância é a que mais tem me doído

Dos retângulos verticais
que paralelos e estáticos eternizam
a grandeza esmeralda dos capitais,
vejo o cinza vulgar dos que se imitam;

Cada zumbi vestindo sua pedante ilusão,
respirando todo o fedor sanitário,
comendo a mais podre reserva de grãos
e arrotando um forçado sorriso amarelado;

A cada animal cabe um destino
e nenhum verme, do asco, se isenta.
Com o perigo a desgraça tira um fino
e escapa da vida fingindo pena

mas alimentando a miséria alheia
como se o imundo mundo fosse justo;
Sua falsa fachada não se permeia,
só a dor se penetra a todo custo

derme adentro
até o centro
até a razão sucumbir;
E, quem sabe assim, a vida se acostume
à inconstância do que há por vir
pois a vida não tem sumo, só tem gume.

20 de março de 2007

Auto-Imagem

Rascunhou a própria imagem numa folha de papel
E achou-se mais parecido consigo mesmo ali
Do que na imagem impregnada no espelho
Ou na velha fotografia que registrara um tempo não vivido

Ele agora era aquele rascunho
Com traços imperfeitos, imprecisos, rabiscados
Essa parecia ser sua real fisionomia
Esse desenho parecia mais com seu cenho
Enfim, havia encontrado seu auto-retrato

Se fez a esmo, com pressa de logo vê-lo terminado
Por suas próprias mãos, com seu próprio conceito se si mesmo
O papel branco e as linhas pretas as únicas cores
Que todo bom desenhista sabe não serem realmente cores
São apenas presença e ausência de luz

Ele se sabe incolor, pois sabe que nunca amou
Ele se sabe disforme, se sabe sem nome
Ele se sabe dor

Sua auto-imagem não deveria ser retocada
Nada de correção ou arte-final
Ele era daquele mesmo feitio ali registrado
Era luz e sombra, era o nada cheio de cercas
Ele era aquilo e não poderia melhorá-lo
Tampouco seria capaz de póstuma reprodução
Que lhe seria mais fiel e verdadeira

E imediatamente terminado o esboço –
pois mesmo sendo-o inteiro, aquilo nada mais era
do que um mísero esboço –
Ele rasgou a folha e desfolhou-se
Soube como era e regozijou em silêncio
Tinha íntima certeza que depois de saber como realmente era
Poderia, a partir dali, ser qualquer outra coisa que quisesse

15 de março de 2007

AO MESTRE CONY OS PARABÉNS


Em tempo, espero. 14 de março, dia da poesia, aniversário de Carlos Heitor Cony, meu mestre. Principal responsável por meu amor à literatura e por minha obsessão por também ser escritor. Ao mestre desejo boa saúde, felicidades, e se possível, mais literatura.

VIVA CONY!!!

14 de março de 2007

êta nóis!

O etanol é a bola da vez. Ouve-se dizer que o Brasil será o maior produr de biomassa, de cana-de-açucar, de ácool combustível. Até o Bush veio, tumultuar ainda mais o cotidiano da cidade caos.
Bem, pelo pouco que sei, o Brasil é o maior produtor de soja, de açucar, de suco de laranja, de gado (tem mais boi do que gente nesse pais). Além disso é auto-suficiente na produção de petróleo.
Então cabe a pergunta: onde estão os benefícios de tanta potêncialidade econômica, de tanta produção de matéria prima?
Uma das maiores economias do mundo tem uma das maiores populações miseráveis do mundo. Pra onde vai tanto dinheiro que poderia ajudar a solucionar, ou ao menos amenizar, boa parte dos problemas sociais, educacionais, de saúde pública e de incentivo ao esporte e à cultura?
É por isso que esse assunto de etanol me soa tão distante e pouco crível de se acreditar quando ouço "Esse é um importante passo que o Brasil está dando". Dando pra onde? para a geração de riquezas que ficarão nas mãos dos mesmos 5% da população que detem 95% da riqueza desse país continente? Ou nas mãos dos corruptos do congresso, ou fora dele?
Só quando a gente ver a cor do dinheiro sendo usado para o bem estar dos que realmente merecem assistência, apoio e respeito do estado, é que esse tipo de iniciativa econômica será realmente compreendida e festejada.
Por enquanto, êta nois!

11 de março de 2007

MAIS UM DIA

Pelas ruas da grande metrópole a miséria levanta sua minissaia e exibe suas pernas, que outrora reluziam no furor da juventude, mas que agora, não escondem mais a decadência e a pouca curiosidade que lhe restou. Há que se andar com o nariz tampado, tomando cuidado para não tropeçar nos mendigos que se multiplicam pelas ruas sujas e enegrecidas do centro de toda e qualquer cidade metropolitana do Brasil. Os sentimentos se confundem; revolta, raiva, vergonha, medo, pena, tristeza, desilusão e desgosto. O sol do meio-dia vai queimando o asfalto e azedando o cheiro de urina e suor; nas portas das lojas de roupas e calçados de quinta categoria em promoção as almas se aglomeram, acotovelam-se, misturando suas fragrâncias dos desodorantes de essência de alfazema. A tarde cai e o crepúsculo avermelhado do pôr-de-sol se confunde com as cores dos luminosos de néon das boates e cinemas pornôs que têm seu movimento aumentado consideravelmente. Vem a noite, o frio e o calor; o cheiro de bebida e o som ligado em alto volume tocando forró, pagode e música sertaneja. O frege da putaria parece ecoar o som de um monstro de sexo, decadência e fetiches. A madrugada avança, o furor vai diminuindo, o silêncio e o sereno se impõem sobre todas as orgias e frustrações ocorridas horas antes; o perigo espreita. Os inimigos gostam de matar e roubar no limiar rotundo entre o fim da noite e o orvalho da alvorada. Os ônibus voltam a circular pelas, o dia mostra sua cara amassada e no céu o sol insurge novamente, convidando o mundo a apreciar mais um dia pleno, inútil e intenso, como todos os outros dias do ano.

7 de março de 2007

Oceano

Existe um oceano e no meio dele há alguém que olha para os lados e nada vê além de água, deserto, solidão, frio e ausência de algo ou alguém que se pareça consigo. Não nutre mais esperanças de que apareça alguém ou algo para lhe salvar. Sabe que a morte é só uma questão de tempo e entrega. Seu corpo é tomado pela paralisante hipotermia e é puxado com muita força para o fundo, para o abismo abissal do qual não poderá retornar. Mas ele não afunda, permanece boiando na superfície, respirando, existindo, resistindo, não se entregando. Agarrando com todas as forças a única coisa que o mantém vivo e ainda vendo além do que se mostra aos seus olhos. Esse oceano é o mundo, esse alguém sou eu e essa coisa a qual me agarro e que me mantém de olhos abertos e de coração protegido se chama LITERATURA.

3 de março de 2007

AMÉM

Dobre os joelhos e diga “Aleluia”
Se seus sonhos fracassaram e a pouca fé
É só mais um motivo para você sofrer.
Se a dor de perder o amor da sua mulher
e ver a filha recém nascida morrer o corroer,
Dobre os joelhos e diga “Aleluia”

Feche os olhos e diga “Amém”
Se há monstros o perseguindo,
Se há vozes soprando em seu ouvido,
Se o corpo não está mais resistindo
E se tudo está completamente perdido,
Feche os olhos e diga “Amém”

É tudo uma questão de ponto de vista!