30 de agosto de 2006

Uma Cena Kafkaniana (conto)

Eu nada tenho contra as baratas, pelo contrário, me solidarizo com esses insetos que vivem tão pouco e num universo tão asqueirozo; porém, é uma questão de sobrevivência, deixar uma barata viva é saber que ela vai se multiplicar aos milhares. Por isso não hesito em esmagá-las assim que as vejo. Noite passada uma barata passou pelo canto da casa e assim que a vi, fui matá-la; depois de desferido o primeiro golpe, ela ainda mexia as pernas e as antenas. É sempre assim, elas nunca morrem com um golpe apenas, sempre é preciso o golpe de misericórdia. Dei-lhe mais uma chinelada, e quando parecia que a pobre já se ia dessa para uma melhor, ouvi um som vindo da sua direção; e apesar do nojo, me senti atraído e curioso por aquele ruído. Me agachei e aproximei meu ouvido o máximo que pude, tomando o cuidao para não tocá-la. A barata parou de emitir o ruído intermitente e suspirou:
-- Gauche!
E logo depois parou de se mexer e morreu.

24 de agosto de 2006

A DESESPERANÇA

Há nove anos moro numa rua que há mais de vinte luta pela sua pavimentação, saneamento básico, iluminação, legalização dos lotes, CEP, enfim, uma rua que luta para existir oficialmente. Hoje houve o encontro dos moradores com os representates da secretaria de habitação de Osasco e ouvimos o de sempre: retórica, discursos evasivos, falta de definição e prazos para alguma solução possível e paupável para a rua.
Mesmo achando estranho que muitos dos que ali se encontravam ironizavam, riam e muitos sequer compareceram na assembléia, acabo por compreender esse tipo de comportamento demonstrando pouco caso com um assunto tão importante. É a desesperança, a falta de fé de que algo realmente concreto será feito em benefício dos que realemente merecem, pois são os que mais sofrem com toda essa situação humilhante.
E quanto a mim, eu sou mais um; mais um que não crê.

16 de agosto de 2006

Los Olvidados/Os Esquecidos


















Filme Os Esquecidos (Los Olvidados) de 1950 do diretor Luis Buñuel

Um dos melhores filmes que já vi. Ganhador do festival de Cannes de 1951 e de mais onze prêmios, incluindo melhor filme e melhor diretor. Uma obra que foi declarada recentemente como "A Memória do Mundo" pela Unesco.
A história se passa no México e a cena inicial mostra as metrópoles Cidade do México, Nova York, Paris e Londres, com a frase "Este filme é totalmente baseado em fatos reais. Todos os personagens são reais" e o mais louco é a pequena narrativa, feita pelo próprio Buñuel no começo do filme: "Atrás de seus prédios magníficos. Toda grande cidade, como Nova York, Paris ou Londres, esconde casas pobres, cheias de crianças sujas, desnutridas e sem estudo. Eles crescem para se tornar futuros criminosos. A sociedade tenta corrigir essa doença, mas os resultados desses esforços são limitados. Somente num futuro próximo os direitos das crianças e adolescentes serão defendidos. México, uma grande cidade moderna, não é exceção à essa regra universal. Por isso, esse filme baseado em fatos reais não é otimista. Deixa a solução dos problemas a força progressiva da sociedade".
Luis Buñuel, um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, narra de maneira brilhante a vida marginal de um grupo de meninos nas favelas da Cidade do México. É impossível não lembrar da febem, da periferia e da miséria do Brasil ao assistir esse clássico produzido há 56 anos atrás.
O filme é um soco no estômago, um dedo na ferida social e na opressão em todas as partes do mundo. O filme expõe a crueza a qual as crianças e jovens são submetidos e a frieza que se apodera das pessoas diante de situações tão degradantes, a ponte de se ver numa das cenas a reação de um dos personagens, um velho cego, ao ver um dos garotos sendo morto pela polícia -- um jóvem sendo assassinado pela polícia? meu deus, só nos filmes a gente vê isso, né? --; o velho cego diz "Menos um, menos um, vão todos morrer como moscas. Deviam ter sido mortos antes de nascer".
Vale muito a pena ver esse filmão, e de quebra o dvd ainda vem com um final alternativo inédito. Aproveite.

6 de agosto de 2006

NO MEIO DO CAMINHO

Não tão jovem para começar, nem tão velho para desistir. A sensação é essa, a de estar no meio do caminho, o que aumenta a angústia. Uns com tanto e outros com tão pouco; às vezes a paciência, o auto-controle, a fé e a esperança se disperçam como fumaça no ar. Acreditar já não acredito mais, mas essa não é mais a questão; a vida segue e atropela, passa como um rolo compressor por cima de quem ficar parado, esperando cair do céu o que nunca antes caiu, nem cairá. O jeito é enfrentar o bicho, e fazendo careta, cerrando dentes e punhos. Amanhã é outro dia, e o tempo inexorável não presta homenagem para ninguém. Estou no meio do caminho, mas a estrada é longa e eu não sei aonde ela vai dar. Não há outra saída, é pagar pra ver.