27 de setembro de 2006

QUESTIONÁRIO

Qual é o seu nome?
Quantos anos você tem?
Qual é a sua altura?
Qual é a cor dos seus olhos?
Qual é o n° que você calça?
Qual é o seu peso?
Qual é o n° do seu manequim?
Qual é a cor do seu cabelo?
Qual é a cor da sua pele?
Qual é a sua religião?
Você é casado ou solteiro?
Você tem namorada?
Você tem filhos?
Você é fumante?
Você possui automóvel?
Você possui residência própria?
Você possui conta em banco?
Você possui abilitação?
Você mora sozinho?
Qual é o nome da sua mãe?
Qual é o nome do seu pai?
Você possui irmãos?
Qual é a sua nacionalidade?
Qual é o n° do seu RG?
Qual é o n° do seu CPF?
Qual é o n° do seu Título Eleitoral?
Qual é o n° da sua Carteira de Trabalho?
Qual é o seu endereço?
Qual é a sua profissão?
Qual é a sua formação escolar?
Quais cursos você já fez?
Em quais empresas você já trabalhou?
Qual foi o seu último salário?
Qual é a sua pretenção salarial?
Você tem disponibilidade de horário?

Essas foram algumas das muitas perguntas que já respondi em fichas de agências de empregos. Perguntas discriminatórias, preconceituosas, que, por muitas vezes, questionei qual seria a relevância para alguma empresa saber qual era a minha religião ou a cor da minha pele. A resposta era sempre evasiva, nem mesmo os entrevistadores sabiam porquê perguntavam o que perguntavam. Enfim, não dá muito para acreditar em inteligência e competência quando o mais importante para eles é saber a cor do seu cabelo, sua altura, a cor da sua pele, sua religião e aonde você mora?
Cadê a igualdade de diretos?

20 de setembro de 2006

10 Andares (conto)

A luz dos holofotes quase me cegando quando nasci (não sei se isso foi uma recordação real ou uma ilusão da minha alma); o primeiro beijo roubado aos doze anos de uma coleguinha de quinta série; a taquicardia e o medo quando tinha dez anos e roubei uma revista em quadrinhos que não tinha dinheiro pra comprar; a primeira vez que eu disse "eu te amo" e a última que ouvi "eu te odeio"; a primeira relação sexual, o primeiro orgasmo, a primeira broxada; as vezes em que eu pensei em matar-me; os fracassos amorosos, profissionais e existenciais; a dor de velar o corpo da minha própria mãe morta; a dor lascinante do primeiro osso quebrado; o prazer de acertar um soco na cara do moleque que me ofendeu na quarta série; a vergonha que senti e a humilhação pela qual passei no dia em que fui largado por minha noiva no altar, eu realmente a amava; o último suspiro do meu cachorro antes de morrer; os passos contados nas escadas até a chegada no parapeito e o salto. E talvez, se o prédio tivesse mais de dez andares eu teria me lembrado de mais coisas antes do impacto com a calçada coberta de brita.

11 de setembro de 2006

A PAZ É INÚTIL PARA NÓS

Hoje, mas do que qualquer outra coisa que eu possa escrever aqui, melhor mesmo é transcrever uma das melhores letras que já ouvi de uma música do primeiro disco solo do Paulo Miklos, vocalista dos Titãs; a letra diz tudo. E quem achar tão legal quanto eu, pode correr atrás desse excelente album lançado em 1994.

A PAZ É INÚTIL PARA NÓS
(Paulo Miklos)

As vitrines estão sempre acesas
A paz é feita de pequenos crimes
E de muros cada vez mais altos
Aguardando grandes assaltos

Vigiados todos nós estamos calmos

Não podemos ler as placas e os out-doors
Não teremos filhos, netos,
não tivemos pais e avós

A paz é inútil para nós
A paz é o que não podemos ter
Que a paz esteja com você

A paz com todas as forças
Pra deixar tudo como está
Na TV, na vitrine, no cartaz
Não se deve perturbar a paz

Fique em paz!

Ao som dos alarmes
Homens e mulheres armados
Cães e crianças brincando com armas
A paz com todas as forças

Fique em paz

A paz é inútil para nós
fique em paz
Que a paz esteja com você

A paz está por trás de doces palavras
Entre lenços brancos e buquês de flores
Pairando no ar sobre o mar
Num amanhecer em algum lugar
E dia das crianças, reveillon, natal
Dia de Graças, das mães, dia de sol

A paz é inútil para nós
A paz é o que não podemos ter
Que a paz esteja com você

Fique em paz!
A paz é inútil para nós
Fique em paz!
A paz é o que não podemos ter
Fique em paz!
Há paz onde não podemos ir
Fique em paz!
A paz é inútil para nós
A paz é o que não podemos ter
Que a paz esteja com você
Fique em paz!

6 de setembro de 2006

Tá olhando o quê, ô macaco?

"Tá olhando o quê, ô macaco?" foi o que me disse um moleque que não devia ter mais do que dez anos de idade ao perceber que eu o olhava. Na hora eu não disse nada, por dois motivos. Um deles foi por saber que o menino era filho de um cara que tinha fama de ser um bandidão aqui do bairro, o que conferia ao garoto uma razoável imunidade, e ele sabia disso. Mas o principal motivo da minha estupefação foi a lembrança de quando eu era garoto, tinha aquela mesma idade e meus pais me ensinavam a tratar todos os adultos com o mesmo respeito que eu dispensava a eles. Hoje em dia respeito é algo quase em desuso. E quanto mais eu lembro de minha infância, mas tenho certeza de duas coisas. Uma é que tudo está desandando; a outra é que eu também estou desandando, e isso é mal. Muito mal.