30 de janeiro de 2007

O Primeiro Milhão

Millôr Fernandes, que sabe das coisas, já deu a receita, agora depende de você achar se vale a pena ou não:

“Os milionários gostam de fazer mistério sobre sua fortuna, acrescentando ao gozo material do que possuem a superioridade intelectual sobre os que os freqüentam. Mas é muito fácil ficar milionário. Basta para isso dormir e acordar só pensando em dinheiro. Não abrir mão de qualquer possibilidade de ganhar dinheiro, mesmo que o contrário lhe dê imenso prazer. Ser frio e racional na hora de dar ou emprestar a seu melhor amigo, parente e até irmão, cobrando os juros e as taxas exatas, embora seu coração lhe diga que desta vez você devia ser generoso. Não ter qualquer escrúpulo, em qualquer ocasião. Pensar sempre no melhor partido que você pode tirar de uma situação desastrosa em que se encontram seus companheiros de negócio. Não temer o castigo de Deus, a opinião pública, a perseguição legal. Pensar que um lucro grande é melhor do que um pequeno mas que um lucro pequeno, repetido muitas vezes, pode vir a ser melhor do que um lucro grande. Se você, em suma, usar da subserviência exata no momento em que esta for necessária, a audácia e a grosseria precisa nos momentos em que a canalhice e a violência forem os melhores caminhos, se não tiver nenhum problema de consciência, nenhuma dúvida moral, nenhuma ambição de cultura, nenhuma preocupação quanto aos outros o acharem indecente, pérfido ou criminoso, o caminho da fortuna está facilmente aberto para você, como para qualquer um.”
Millôr Fernandes,
O PRIMEIRO MILHÃO. OBRAS COMPLETAS. 1970

E aí, o que você me diz?

20 de janeiro de 2007

A Vida Ensina

Três e meia da tarde. Um sol de rachar. De um lado a entrada o shopping center, que à sua frente tinha o estacionamento, do outro lado um semáforo na avenida margeada por um córrego fétido que alimenta de detritos o rio Tietê mais adiante, onde eu aguardava o sinal abrir para os pedestres e eu poder atravessar. Numa das travessas, enquanto os carros paravam diante do sinal vermelho, dois moleques, que não deveriam ter mais de dez ou doze anos, sujos, mal vestidos e mal encarados, chegavam junto dos vidros dos carros e pediam alguns trocados. Alguns motoristas davam algumas moedas, outros negavam e alguns até fechavam o vidro para não serem incomodados pelos meninos mestiços. Na segunda vez que o sinal fechou, apenas um dos garotos pediu dinheiro, o outro ficou encostado num poste de luz olhando as águas escuras e putrefatas do córrego.
O sinal finalmente abriu para mim e eu segui em direção ao shopping center enquanto pensava nos moleques. Por que pediam dinheiro? Para comprar cola de sapateiro e ficar a noite toda chapados para enganar a fome e o frio da madrugada? Comprar comida? Dar o dinheiro para algum adulto filho da puta que os explorava sem que ninguém do poder público tomasse alguma providência? Comprariam alguma arma; sei lá, fiquei pensando, sem saber o que pensar direito.
Entrei no estacionamento do shopping center, subi até o térreo, o sol rachando minhas cabeça, fervendo minhas idéias. O estacionamento estava vazio, numa quinta-feira à tarde era normal. No meio do estacionamento uma grande armação de fios e plástico, era uma enorme cama elástica onde se poderia ficar pulando por três minutos pagando-se seis reais. O som bem alto tocando música junto da entrada do cercado da cama elástica, tentando chamar os fregueses invisíveis. Segui até a entrada do shopping, nada me interessava ali, apenas a livraria, o cinema e o que eu queria no momento: o ar condicionado. O shopping era apenas uma passagem, meu destino era outro. Continuei ainda pensado naqueles dois moleques que pediam dinheiro no sinal.
Passados vinte minutos, saí do shopping para ir até meu destino, quando passei novamente pelo estacionamento fui surpreendido com o que vi. Na cama elástica, pulando e dando cambalhotas estavam os dois moleques que estavam pedindo dinheiro do sinal onde parei minutos antes. Davam uma, duas, às vezes, três piruetas seguidas, pareciam ginastas profissionais, com um sorriso largo, feliz e despreocupado no rosto. “Então era pra isso o dinheiro” disse para mim mesmo. Foi quando parei um pouco pra pensar, mesmo embaixo do sol de rachar era preciso parar e pensar. Senti vergonha de ficar pensando certas coisas, caindo nas mesmas armadilhas preconceituosas que nos condicionam a pensar sempre as mesmas coisas das mesmas pessoas, situações ou sentimentos. Por que eu, quando vi aqueles dois moleques na esquina pedindo dinheiro, não os vi apenas como duas crianças? Por que vi dois seres tão estranhos do que realmente eram?
Passei pela cama elástica, os dois meninos continuavam pulando, aproveitando os três minutos de diversão aos quais tinham direito, e saí sentindo um amargo na alma, daqueles que a gente sente quando se vê diante da nossa própria mesquinhez, mas sabe que ao menos aprendeu mais uma lição que vida insistentemente ensina aos que não fecham os olhos e ouvidos para sua voz sutil, mas visceral e indelével.

14 de janeiro de 2007

Dia Perdido (conto)

Achei estranho quando olhei pro lado e vi o cara quase se encostando em mim; ambos, ele e eu, já estávamos na livraria há alguns minutos, mas não trocamos palavra, nem sequer nos conhecíamos. Só entendi sua postura quando ele bateu no abdome e o som produzido foi seco, só aí entendi que ele estava roubando livros. Saí de perto dele para que ninguém pensasse que eu era seu cúmplice; fui embora sem ter comprado nada, os livros que eu queria não tinham no estoque, só por encomenda. Que desperdício encher prateleiras com livros de Paulo Coelho, Zíbia Gaspareto e Roberto Chinyashiki, enquanto os bons autores de verdade não têm espaço para suas obras. Fui ao banheiro e enquanto urinava reparei no piso que de tão liso e limpo que dava até pra ver o reflexo de quem estava no privativo ao lado; o cara fazia movimentos repetitivos, não demorou muito para entender que ele estava se masturbando. Saí fora logo do banheiro e do shopping. Ao passar por um bar quase levei uma cusparada de um bêbado desavisado. Começou a chover e eu sem guarda-chuva; me molhei todo, fiquei parecendo um cachorro molhado, fedendo a papelão sujo. Passei pelos mendigos, pelos postes fedendo a urina, pelas pessoas mal educadas que andavam se esbarrando, despreocupadas, atrás de presentes para dar no natal; fui meio sem rumo, querendo algo mais de um dia de folga perdido, não aproveitado. Acabei me convencendo de que nada mais adiantaria continuar ali; baixei a cabeça e tomei o caminho do ponto de ônibus. Não demorou muito e eu já estava dentro do busão que me levaria de volta para o inferno.

7 de janeiro de 2007

2007

Neste ano, mais um ano iniciou-se
E como no ano anterior
Em mim nada mudou
Ainda estou sob a ameaça da foice

De um dia para o outro
Muda-se muito pouco
Mais do que preciso o riso seria
Do que esse ar sério de alegria

Mas, por falta de algo que desconheço
Esperarei a mudança
Porém, sem esperança
De ter algo, que em verdade, não mereço