21 de julho de 2010

SERES INVISÍVEIS (Conto)

O calçadão tinha o calçamento irregular; algumas grades do bueiro, que ficava no meio da rua para facilitar o escoamento das águas da chuva, estavam quebradas, o que forçava os transeuntes a desviar o seu caminho. Parado debaixo do sol um homem de camisa social branca, de manga cumprida, gravata preta mal arrumada num colarinho que apertava-lhe o pescoço gordo, de calça marrom e sapato preto surrado, segurava numa da mãos uma bíblia aberta mais gasta que sua roupa; exaltado, gritava algumas vezes e suava em bicas; o dedo em riste, vez por outra a mão espalmada no ar em tom de advertência; os olhos esbugalhados. Ele estava tomado pelo que dizia. Pregava o evangelho para quem não queria ouvir, alguns passavam e riam, outros torciam a cara. O homem falava com ardor sobre o juízo final, citava o Apocalipse, sempre o Apocalipse, nunca um desses fanáticos citava o Gênesis ou o Levítico. Declamava o salmo 91 (Meu refúgio, minha fortaleza, meu deus, em quem confio), o 23 (O senhor é meu pastor e nada me faltará); e mesmo sendo ignorado, o homem continuava a profetizar a palavra de deus. Nada abalava sua fé, nada. Ali era fé demais.

O julgamento final está próximo, dizia o homem, ainda há tempo, aceite a Jesus; Deus não escolhe os preparados, ele prepara os escolhidos. Monologava aos ventos poluídos enquanto os ouvidos que passavam não lhe davam atenção. Ih, tio, não perde seu tempo não, o fim do mundo já passou e ninguém se salvou, já tamo no inferno, sem segunda chamada, gritou um office-boy que passava pela rua.

Nas esquinas, todo tipo de deformação; gente sem perna, braço, olho, dedos; pés e braços atrofiados, mulheres sujas com crianças no colo, todos pedindo esmola, usando o mesmo discurso auto-comiserativo, usando deus, ganhando um trocado, sobrevivendo cada qual a seu modo. Eu não dou esmolas; não tenho pena de ninguém.

Tinha de tudo, até um cara que fedia a carne podre e que vivia perambulando pelas ruas distribuindo copias borradas de manchetes de jornal da década de setenta que falavam sobre Bezerra da Silva e ia repetindo freneticamente, em meio tom de voz “Bezerra, malandro é Bezerra, olha o Bezerrão aí, Bezerra é o cara”. E até um outro que chegou e foi logo dizendo “Eu não vou mentir, dizer que vou tomar um café; eu tô pedindo cinquenta centavos mas é pra tomar é pinga mesmo”, era sincero, talvez por isso ninguém lhe dava o trocado que pedia.

1 de julho de 2010

20 ANOS

É um fenômeno irônico e interessante, e até compreensível, mas a cada vinte anos todos começam a descobrir e concluir como foram bons vinte anos atrás. E esse tipo de fenômeno vem reforçar a velha frase/teoria/conceito que diz, aos suspiros: "eu era feliz e não sabai!"



Foi assim na década de 80, toda influenciada pelos anos 60; todos os artistas que surgiam, e os que permaneceram, eram fruto daquela década.



Nos anos 90, predominou a sombra dos anos 70, e o grunge é a maior prova disso, até na moda, voltaram a aparecer as calças boca de sino e os cabelos cumpridos.


Na última década vivemos uma nostalgia meio até boba dos anos 80, chegando ao ponto de se organizarem festas chamadas de "trash" 80, como se fosse algo muito natural e saudável se regozijar com aquilo que é chamado de "lixo" de uma década.



E nos próximos anos, algumas mentes brilhantes vão descobrir como os anos noventa foram tão geniais, criativos e ricos em todos os sentidos, e vão esquecer que quase todos que viveram nesses anos, os consideraram os piores de todos.


A enxurrada de refilmagens de sucessos não tão antigos assim é o primeiro dos sinais; e quem viver, verá.