“Encontre-me” — ele sussurrou em seu ouvido — “você precisa me encontrar”. Clara abriu os olhos em sua cama e apertou o lençol contra o rosto, sem saber o que fazer. Ele, o seu fantasma pessoal estava sentado na poltrona em frente à cama e não se parecia com qualquer assombração comum.
Tinha começado uns
meses antes, com um presente de uma amiga. Um colar inofensivo de sementes
amazonenses. Desde que ele havia entrado para sua casa, aquela criatura vinha
perturbando seu sono.
“Venha” — ele
lamuriou de novo e ela puxou as cobertas. O ser era um homem alto, de pele
clara e um imensamente sedoso e liso cabelo branco que contrastava com suas
sobrancelhas escuras e olhos violetas. Era também um choque contra o cocar de
penas negras. Ele não se parecia com um nativo, de qualquer forma. Estava mais
para as lendas das icamiabas, as amazonas loiras que os portugueses
enfrentaram. “Venha...” ele pediu e
ela se apertou um pouco mais. Antes que percebesse, havia dormido.
No outro dia comprou
as passagens, contou a história para um guia e mandou fotos do colar. Quando
ele aceitou a aventura ela se enfiou no avião, esperando que de alguma maneira
pudesse jogar aquele colar no rio e que talvez um boto o engolisse. Esperava
que caísse diretamente em uma tribo de índios, inclusive, mas isso não
aconteceu.
Ao invés, quando
chegou a Manaus foi recebida por uns tipos bem civilizados, em prédios bem
civilizados também e como uma boa paulista, ela civilizadamente arranjou seu
tour pelo lado selvagem da vida e recontou um pouco da história ao seu guia, já
que havia adiantado seu caso via email.
Ele franziu as
sobrancelhas, olhou o colar e disse algumas palavras na língua nativa para um
menino indígena. Só viu suas sobrancelhas se erguendo como se ele estivesse
realmente admirado.
— O que? — Ela
perguntou — ele é tipo aquela vampira de Um Drink no Inferno? — O guia riu
dela, mas ainda não parecia confortável.
— Não é nada.
Ao anoitecer eles
seguiram para o barco que a levaria pelo rio Amazônas, para conhecer as aldeias
ribeirinhas e admirar as belezas naturais. Na escuridão da noite, ela podia ver
as estrelas no céu e na água e era algo agradável de se ver no silencio da
floresta, com apenas uns sons silvestres emergindo da tranquilidade.
Muito ao longe ela
ouviu o suave bater de tambores e escorada no convés do barco, Clara não podia
precisar de onde vinha o som. Por um momento achou que era seu próprio guia
brincando com sua imaginação e no outro, imaginou que poderia vir de fato da
floresta. Seu guia em questão pareceu sentir que estava sendo acusado
injustamente e se aproximou dela. O guia sentou-se ao seu lado e perguntou:
— O que você acha desse fantasma?
Que essa criatura está te perseguindo?
— Pode ser — ela
respondeu — talvez queira me matar, talvez me seduzir como uma sereia, me
trazendo para esse local — o guia não respondeu e ela se virou para ele — não
são assim suas histórias de boto? No dia um peixe, de noite um homem bonito?
— É — ele respondeu
lentamente, observando o chão amadeirado — as coisas no Amazonas nem sempre são
o que parecem.
Clara apertou os
olhos.
— O que quer dizer? O
que pensa que ele é?
Ela não teve uma
resposta adequada. Na verdade, sua resposta foi bastante rude, com uma navalha
sendo empurrada em direção à sua garganta.
— Se sua amiga conseguiu um colar de Akakor e
esse maldito pajé esta te chamando, isso quer dizer que pode nos levar até o
ouro!
— Que ouro? — Ela
engasgou de ódio e pensou em chutá-lo. Repensou a ideia quando se lembrou da
navalha e sentiu ainda mais ódio. Estava prestes a lhe dizer o quão cretino ele
era, quando os olhos do guia se abriram e a sua boca caiu em uma expressão de
completo espanto. Ele pendeu para o lado pesadamente e quando despencou no
chão, havia uma flecha atravessando seu peito, aos poucos fazendo seu sangue
verter pelo chão.
Pensou que ia
desmaiar quando algo a puxou do chão e ela foi levada no ar em um rápido
movimento, assistindo umas figuras voarem no escuro, seguras em cipós. Quando
aterrissou novamente, encontrou o famigerado pajé a observando como se fosse
uma criança malcriada. Ele puxou o colar amaldiçoado de suas mãos e o balançou
em frente ao seu rosto, esfregando as contas entre os dedos até que as contas
que pareciam sementes secas se esfarelassem, mostrando contas de ouro.
— As aparências
enganam — ele disse, em português perfeito — você pode voltar para sua cidade —
ele apontou para um caminho entre as árvores — ou pode descobrir o que mais as
aparências escondem — olhou em seus olhos e guardou o colar no cinto de
roupagem rústica.
Antes que ele
estivesse indo embora, já estava em seu encalço, procurando o que mais vinha
sendo escondido dela.
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