24 de julho de 2015

DESAFIO ESPINHODAGUA DE CONTOS - As Aparências Enganam - "GOLD DIGGER" de Leona Volpe



Encontre-me” — ele sussurrou em seu ouvido — “você precisa me encontrar”. Clara abriu os olhos em sua cama e apertou o lençol contra o rosto, sem saber o que fazer. Ele, o seu fantasma pessoal estava sentado na poltrona em frente à cama e não se parecia com qualquer assombração comum.
Tinha começado uns meses antes, com um presente de uma amiga. Um colar inofensivo de sementes amazonenses. Desde que ele havia entrado para sua casa, aquela criatura vinha perturbando seu sono.
“Venha” — ele lamuriou de novo e ela puxou as cobertas. O ser era um homem alto, de pele clara e um imensamente sedoso e liso cabelo branco que contrastava com suas sobrancelhas escuras e olhos violetas. Era também um choque contra o cocar de penas negras. Ele não se parecia com um nativo, de qualquer forma. Estava mais para as lendas das icamiabas, as amazonas loiras que os portugueses enfrentaram. “Venha...” ele pediu e ela se apertou um pouco mais. Antes que percebesse, havia dormido.
No outro dia comprou as passagens, contou a história para um guia e mandou fotos do colar. Quando ele aceitou a aventura ela se enfiou no avião, esperando que de alguma maneira pudesse jogar aquele colar no rio e que talvez um boto o engolisse. Esperava que caísse diretamente em uma tribo de índios, inclusive, mas isso não aconteceu.
Ao invés, quando chegou a Manaus foi recebida por uns tipos bem civilizados, em prédios bem civilizados também e como uma boa paulista, ela civilizadamente arranjou seu tour pelo lado selvagem da vida e recontou um pouco da história ao seu guia, já que havia adiantado seu caso via email.
Ele franziu as sobrancelhas, olhou o colar e disse algumas palavras na língua nativa para um menino indígena. Só viu suas sobrancelhas se erguendo como se ele estivesse realmente admirado.
— O que? — Ela perguntou — ele é tipo aquela vampira de Um Drink no Inferno? — O guia riu dela, mas ainda não parecia confortável.
— Não é nada.
Ao anoitecer eles seguiram para o barco que a levaria pelo rio Amazônas, para conhecer as aldeias ribeirinhas e admirar as belezas naturais. Na escuridão da noite, ela podia ver as estrelas no céu e na água e era algo agradável de se ver no silencio da floresta, com apenas uns sons silvestres emergindo da tranquilidade.
Muito ao longe ela ouviu o suave bater de tambores e escorada no convés do barco, Clara não podia precisar de onde vinha o som. Por um momento achou que era seu próprio guia brincando com sua imaginação e no outro, imaginou que poderia vir de fato da floresta. Seu guia em questão pareceu sentir que estava sendo acusado injustamente e se aproximou dela. O guia sentou-se ao seu lado e perguntou:
— O que você acha desse fantasma? Que essa criatura está te perseguindo?
— Pode ser — ela respondeu — talvez queira me matar, talvez me seduzir como uma sereia, me trazendo para esse local — o guia não respondeu e ela se virou para ele — não são assim suas histórias de boto? No dia um peixe, de noite um homem bonito?
— É — ele respondeu lentamente, observando o chão amadeirado — as coisas no Amazonas nem sempre são o que parecem.
Clara apertou os olhos.
— O que quer dizer? O que pensa que ele é?
Ela não teve uma resposta adequada. Na verdade, sua resposta foi bastante rude, com uma navalha sendo empurrada em direção à sua garganta.
 — Se sua amiga conseguiu um colar de Akakor e esse maldito pajé esta te chamando, isso quer dizer que pode nos levar até o ouro!
— Que ouro? — Ela engasgou de ódio e pensou em chutá-lo. Repensou a ideia quando se lembrou da navalha e sentiu ainda mais ódio. Estava prestes a lhe dizer o quão cretino ele era, quando os olhos do guia se abriram e a sua boca caiu em uma expressão de completo espanto. Ele pendeu para o lado pesadamente e quando despencou no chão, havia uma flecha atravessando seu peito, aos poucos fazendo seu sangue verter pelo chão.
Pensou que ia desmaiar quando algo a puxou do chão e ela foi levada no ar em um rápido movimento, assistindo umas figuras voarem no escuro, seguras em cipós. Quando aterrissou novamente, encontrou o famigerado pajé a observando como se fosse uma criança malcriada. Ele puxou o colar amaldiçoado de suas mãos e o balançou em frente ao seu rosto, esfregando as contas entre os dedos até que as contas que pareciam sementes secas se esfarelassem, mostrando contas de ouro.
— As aparências enganam — ele disse, em português perfeito — você pode voltar para sua cidade — ele apontou para um caminho entre as árvores — ou pode descobrir o que mais as aparências escondem — olhou em seus olhos e guardou o colar no cinto de roupagem rústica.

Antes que ele estivesse indo embora, já estava em seu encalço, procurando o que mais vinha sendo escondido dela. 

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