6 de julho de 2015

ATO DE CONTRIÇÃO (autor Kiko Zampieri)



A pequena igreja de Jucamirim estava toda enfeitada para a festa junina, que aconteceria no próximo domingo, dia de Santo Antonio. Festa aguardada, principalmente, pelas moçoilas solteiras e com a idade um pouco avançada.
O Padre Rufino, como em todas as festas, procurava arrecadar prendas, doações em dinheiro e alimentos, uma parte iria para a festa e outra para o pequeno orfanato da cidade. Que era pequeno na estrutura, porém com alto nível de aquisições. E geralmente, alguns meses depois das festas, sempre aparecia uma novo integrante para o orfanato.
Como todas as manhãs, rezava a primeira missa, depois atendia os pecadores em seu confessionário, um pequeno armário com uma cortina grossa de cor vinho e uma abertura lateral por onde ouvia as confissões. Naquele dia fora diferente. Após o término das confissões rotineiras, um homem, que estava sentado na primeira fila dos bancos, chamou a atenção do velho padre. Era um estranho na comunidade, um jovem com pouco mais de vinte e cinco anos, mas como todos os anos, muitos viajantes apareciam pela cidade para participarem da festa, foi se aproximando e calmamente interpelou o desconhecido.
- Salve, meu filho!
- Olá padre. Disse levantando a cabeça e fixando o olhar no velho padre.
- Posso ajudá-lo?
- Preciso me confessar com urgência. Respondeu o desconhecido.
- Claro, meu filho. Venha comigo até o confessionário. Orientou o padre.
O padre se acomodou na velha cadeira estofada dentro do cubículo e o desconhecido se ajoelhou na lateral.
- Quando foi a última vez que o senhor se confessou?
- Essa é a primeira vez, padre.
- Se está procurando arrependimento e perdão, veio ao lugar certo.
- Padre tirei a vida de cinco pessoas e queria confessar os meus crimes e encontrar a paz no meu coração. Disse o homem emocionado.
O padre ficou alguns segundos perplexo, mas era a sua função, ouvir a confissão e passar o ato de contrição e as orações necessárias para o perdão.
- Pode falar, meu filho.
O homem então começou a descrever seus crimes. Contou que o primeiro fora a dez anos atrás, um tal de Joaquinzinho, que trabalhava num sítio do Senhor Alberto, o matara na estrada que ia da cidade até o sítio. Dez facadas. O padre em silêncio e boquiaberto, lembrara do crime que havia abalado a comunidade. O homem continuou o relato sobre o segundo, um homem chamado Pedro Caculé, carroceiro da cidade, matara também a facadas, ele e o seu cavalo. Novamente o padre perdera a respiração.
O terceiro tinha sido Zé Manco, que trabalhava na farmácia do Senhor Gomes, também a facadas e deixado no meio da praça. Silêncio profundo e agora junto vinha uma angústia sufocante, ele se lembrava de todos aqueles assassinatos e todos não haviam sido solucionados e agora estava frente a frente com o assassino.
O homem continuou, o quarto tinha dado mais trabalho, pois era filho de um juiz e tivera que esperar muitos dias até que ficasse sozinho na casa. Morreu na cama com a barriga aberta. O quinto e último era o filho do fazendeiro Coronel Justino, esse morrera em outra cidade, pois havia fugido depois das mortes anteriores.
- Padre pode perdoar meus pecados?
- Reze o ato de contrição e um Pai-Nosso e dez Ave-Marias para cada morte e sua alma estará salva.
Antes que o homem saísse o padre fez uma última pergunta.
- Qual o motivo desse ódio, meu filho?
- Sou o filho da Rita do Brejo e fiz tudo por vingança. Vingá-la daqueles que abusaram e me geraram.
O padre quase teve um mal súbito. Lembrara da mulher, havia sido estuprada quando voltava da escola noturna e deixada na beira da estrada. Sobrevivera e fora embora da cidade sem nunca dizer os nomes dos estupradores.
- Ela não suportou a vergonha, mesmo fugindo dessa cidade. Entregou-me ao orfanato desse lugar e depois se suicidou, afinal ela queria que eu encontrasse o meu pai.
O homem se ajoelhou na primeira fila e rezou os seis Pai-Nossos e as sessenta Ave-Marias, enquanto um filete pegajoso e vermelho escorria por baixo da cortina cor de vinho.

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