Três e meia da tarde. Um sol de
rachar. De um lado a entrada o shopping center, que à sua frente tinha o
estacionamento, do outro lado um semáforo na avenida margeada por um córrego
fétido que alimenta de detritos o rio Tietê mais adiante, onde eu aguardava o
sinal abrir para os pedestres e eu poder atravessar. Numa das travessas,
enquanto os carros paravam diante do sinal vermelho, dois moleques, que não deveriam
ter mais de dez ou doze anos, sujos, mal vestidos e mal encarados, chegavam
junto dos vidros dos carros e pediam alguns trocados. Alguns motoristas davam
algumas moedas, outros negavam e alguns até fechavam o vidro para não serem
incomodados pelos meninos mestiços. Na segunda vez que o sinal fechou, apenas
um dos garotos pediu dinheiro, o outro ficou encostado num poste de luz olhando
as águas escuras e putrefatas do córrego.
O sinal finalmente abriu para mim
e eu segui em direção ao shopping center enquanto pensava nos moleques. Por que
pediam dinheiro? Para comprar cola de sapateiro e ficar a noite toda chapados
para enganar a fome e o frio da madrugada? Comprar comida? Dar o dinheiro para
algum adulto filho da puta que os explorava sem que ninguém do poder público
tomasse alguma providência? Comprariam alguma arma; sei lá, fiquei pensando,
sem saber o que pensar direito.
Entrei no estacionamento do
shopping center, subi até o térreo, o sol rachando minha cabeça, fervendo
minhas ideias. O estacionamento estava vazio, numa quinta-feira à tarde era
normal. No meio do estacionamento havia uma grande armação de fios e plástico;
era uma enorme cama elástica onde se poderia ficar pulando por três minutos
pagando-se seis reais. O som bem alto tocando música junto da entrada do
cercado da cama elástica, tentando chamar os fregueses invisíveis. Segui até a
entrada do shopping, nada me interessava ali, apenas a livraria, o cinema e o
que eu queria no momento: o ar condicionado. O shopping era apenas uma
passagem, meu destino era outro. Continuei ainda pensado naqueles dois moleques
que pediam dinheiro no sinal.
Passados vinte minutos, saí do
shopping para ir até meu destino, quando passei novamente pelo estacionamento
fui surpreendido com o que vi. Na cama elástica, pulando e dando cambalhotas
estavam os dois moleques que estavam pedindo dinheiro do sinal onde parei
minutos antes. Davam uma, duas, às vezes, três piruetas seguidas, pareciam
ginastas profissionais, com um sorriso largo, feliz e despreocupado no rosto. “Então
era pra isso o dinheiro” disse para mim mesmo. Foi quando parei um pouco para
pensar, mesmo embaixo do sol de rachar era preciso parar e pensar. Senti
vergonha de ficar pensando certas coisas, caindo nas mesmas armadilhas
preconceituosas que nos condicionam a pensar sempre as mesmas coisas das mesmas
pessoas, situações ou sentimentos. Por que eu, quando vi aqueles dois moleques
na esquina pedindo dinheiro, não os vi apenas como duas crianças? Por que vi
dois seres tão estranhos do que realmente eram?
Passei pela cama elástica, os
dois meninos continuavam pulando, aproveitando os três minutos de diversão aos
quais tinham direito, e saí sentindo um amargo na alma, daqueles que a gente
sente quando se vê diante da nossa própria mesquinhez, mas sabe que ao menos
aprendeu mais uma lição que vida insistentemente ensina aos que não fecham os
olhos e ouvidos para sua voz sutil, mas visceral e indelével.
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