19 de outubro de 2006

Fumo de Corda (conto)

Meu avô passava a manhã inteira pitando o fumo de corda que comprava aos rolos de metro na feira de domingo. Do meio-dia em diante quedava-se mascando e cuspindo nos cantos da calçada em frente da velha casa onde nasceu, se criou e onde eu sempre passava minhas férias escolares. vez por outra ele abria e fechava a boca, como se estivesse gesticulando ou querendo falar alguma coisa, mas era apenas para desempapar os cantos dos lábios que se impregnavam com a viscosa baba formada de saliva e fumo. O cheiro era forte e fedido, mas nem ele nem eu nos importávamos com esse detalhe escatológico. Às vezes, eu ficava encarando a pastosa mistura cuspida nas calçadas. A baba marrom e espumante ficava impregnada na calçada, marcando uma mancha escura no acinzentado piso de cimento; não raras eram as vezes em que o escarro se mexia, era a marca da pontaria do meu avô que acertava as moscas desavisadas que sobrevoavam por ali em volta e que morriam afogadas na baba de fumo de corda. Sem dúvida aquela devia ser uma forma horrível de se morrer. Ele ria e continuava mascando, cuspindo e tossindo seco quase toda tarde e início da noite. Antes de dormir ele também mascava o seu fumo de corda. Até hoje sou agradecido ao meu avô, porque, ao ver uma cena tão asqueirosa e nojenta como aquela, eu prometi a mim mesmo que jamais poria um cigarro ou um chumaço, por menor que fosse, de fumo de corda na boca. Valeu vovô babão!

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