De Todos os Segredos da Meia Noite - Arco d´O Enforcado.
A
Professora Índigo suavemente adentrou o circo, fazendo os saltos grossos dos
seus sapatos baterem contra o chão de madeira das arquibancadas. Ergueu seu
casaco e se sentou, ajeitando melhor seus óculos logo em seguida e focando
calmamente na imagem à sua frente.
Era
Carnaval, e a atividade circense tinha caído sutilmente por conta disso.
Impressionantemente o Circo das Criaturas Extraordinárias estava bastante
lotado e muitas pessoas vinham interessadíssimas em sua nova aquisição: uma
sereia.
Duas
figuras de negro se sentaram uma a cada lado seu. Ao seu lado esquerdo estava o
hitman da Sociedade Fantasma,
conhecido apenas pelo número 13. Ele tinha um pacote de pipoca em uma das mãos
e um revolver carregado em seu coldre para qualquer eventualidade, muito bem
escondido por seu casaco longo e grosso.
Do
seu lado direito estava o Dr. Yuri Alexandrova, mais conhecido como Alexey, um
famoso psicopata cujos dons para psicologia não podiam ser ignorados.
—
Tem certeza de que é este o lugar? — Ela questionou à Alexey e ele sorriu dando
de ombros.
—
É um bom lugar para começar e eu quero ver essa sereia de qualquer maneira —
ele piscou para ela e moveu seu rosto para o picadeiro quando as luzes Se
apagaram.
A
apresentação foi normal, até mesmo chata para quem já conhecia circos melhores
e Índigo já tinha cruzado as pernas pela quinta vez, quando finalmente o ponto
alto do espetáculo chegou. Tambores rufaram como um fundo musical dramático e
os palhaços custosamente empurraram o que parecia ser um enorme tanque para o
centro do local.
Ela
se permitiu franzir as sobrancelhas, vendo os olhos de Alexey brilharam em
triunfo e o queixo de 13 cair em completo choque.
Dentro
do tanque havia uma criatura de pele dourada escura, era razoavelmente longo,
com uma enorme cauda com escamas de bronze e barbatanas sedosas. Sua pele
reluzia dentro da água como um dourado em um rio e seu cabelo castanho escuro
era uma massa embaraçada flutuante.
O
rosto era anguloso e triangular, com olhos maiores do que os de um ser humano,
assim como o seu nariz quase não se erguia do rosto, se limitando a duas fendas
escuras sobre os lábios finos. Podia ver o ondular das guelras em seu pescoço e
a membrana que se esticava cada vez que ele afastava os dedos das mãos.
—
Incrível — ela conseguiu processar, quando viu a criatura abrir os lábios e
emitir um som ligeiramente melódico, como um canto de um mamífero aquático
grande — ele obviamente não fala como nós.
Alexey
moveu a cabeça de um lado para o outro, concordando, mas não completamente.
—
Eu não teria tanta certeza — ele se ergueu e limpou as pernas de sua calça,
convidando Índigo e 13 a o acompanharem.
—
O que faremos agora? — 13 questionou, obversando seus lados, com a mão pousada
sobre o punho da pistola.
—
Vamos roubá-lo — ela se pronunciou, seguindo o psicólogo e contornando a parte
externa do circo, evitando alguns transeuntes até conseguirem se esconder no
local onde os animais eram guardados. Não demorou muito até que eles finalmente
trouxessem o espécime que eles estavam procurando, ainda trancado em seu
tanque.
—
Não temos como mover o tanque, é impossível levar uma coisa dessa discretamente
— o hitman disse se movendo ao redor do tanque e atraindo a atenção do sirenio
no interior dele, novamente ele fez uma vocalização e desta vez ela não foi
amigável.
Índigo
se aproximou espalmando sua mão contra o vidro em sinal de paz.
—
Consegue respirar se o tirarmos da água?
Ele
moveu seus olhos dourados, com esferas de ouro derretido por todo o seu rosto e
depois sinalizou que sim suavemente com sua cabeça. Ela respirou fundo e puxou
a pistola de 13 de seu coldre, arrancando um muxoxo do moreno com a perda.
Bateu
pesadamente o punho da arma contra o cadeado do tanque e após três golpes ele
pendeu para o chão em pedaços. Ao invés de apenas abrir a tampa, o sirenio a
empurrou violentamente, provocando uma rachadura em toda a extensão frontal do
tanque.
Tudo
o que Índigo pode fazer foi pular para o lado, quando a torrente de água
quebrou a lâmina de vidro e a criatura foi empurrada para fora, carregada pela
água e então bateu contra a parede do galpão, ofegante. Ele estremeceu com a
súbita falta de água, fazendo suas guelras de abrirem desesperadas até que
finalmente ele respirou pela boca e depois pelo nariz, fazendo seus pulmões
aceitarem o ar que o rodeava.
Tão
incrível quanto a troca de fonte de oxigênio rápida foi a maneira como as
escamas da sua cauda se encolheram até se transformarem em um par de pernas
trêmulas e incapazes de sustentar seu corpo. 13 se moveu para o lado dele,
erguendo-o com seus braços e o auxiliando a ficar em pé.
—
Estamos aqui para ajudá-lo — ele disse calmamente — sabemos que foi criado em
um laboratório de pesquisas genéticas dele — ele apontou para Alexey e o russo
ergueu as mãos assustadamente.
—
Hey, não mate o mensageiro, eu só os ajudava a não enlouquecerem!
O
sirenio fez um som gutural que fez o psicólogo se afastar alguns passos,
temendo que ele descontasse seus anos de cativeiro na primeira pessoa que
esteve envolvida que aparecesse. Ele limpou sua garganta e disse o mais
calmamente que pode:
—
Viemos libertá-lo, não será mais exposto como um animal, será protegido agora.
O
sirenio tinha um olhar assustado e perigoso em seu rosto, conforme ele pôs um
pé após o outro para andar. Rapidamente Alexey arranjou um par de calças de seu
tamanho penduradas em um varal improvisado e jogou uma jaqueta sobre sua
cabeça, para proteger sua identidade, conforme corriam para o carro.
—
Vão notar sua ausência rápido — Índigo pensou alto, alcançando o volante e
ligando o carro, um pequeno segundo antes de 13, Alexey e o sirenio estarem
acomodados no interior. Pisou no acelerador com força e os pneus gritaram na
curva fechada que fez para atingir a estrada.
—
Estaremos muito longe quando eles notarem — o doutor disse alegremente,
empurrando a jaqueta para longe do rosto da criatura — e precisamos dar um nome
a ele.
13
lançou um longo olhar para o espécime sentado entre eles, observando-os
atentamente.
—
Você fala?
—
Conheço algumas palavras — ele disse inesperadamente e todos olharam-no surpresos.
Sua voz era bastante humana para uma criatura como ele.
—
Achei que ele ficaria mudo, sabe? Como a sereia Ariel daquele conto de fadas
antigo — Alexey disso com uma risada rouca — mas não acho que o príncipe iria
querer qualquer coisa com ele, no final das contas.
Índigo
estalou os dedos animada, agora muito distante do circo e mais próxima de sua
casa.
—
Aí está um bom nome: Ariel, é para ambos os sexos não é? — Olhou pelo espelho
retrovisor para sirenio — o que acha?
—
Eu gostei — ele pareceu não saber muito bem o que fazer com sua expressão para
demonstrar que o nome lhe agradava.
13
deixou uma risada emergir de sua garganta enquanto abria a janela e puxava um
cigarro de seu bolso, acendendo-o, puxando a fumaça e então a soltando pela
janela.
—
O bom é que ele nunca vai precisar de uma fantasia de Carnaval.
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