12 de outubro de 2008

QUANDO ELE MORREU


Quando ele morreu
Poucas pessoas choraram, por poucos dias, a sua morte;
Quando ele morreu
Houve alguma dor mas logo reinou a resignação;
Quando ele morreu
Ela – a amada –, por amor, suicidou-se;
Quando ele morreu
Seus pais quase morreram de desgosto (mas ficou só no “quase”);
Quando ele morreu
Teve um upgrade social – os que o criticavam passaram a referir-se a ele como sendo, em vida, uma boa pessoa –;
Quando ele morreu
Sua pátria não tomou conhecimento;
Quando ele morreu
Foi homenageado com um minuto de silêncio no setor da empresa onde trabalhava – depois de morto ele ainda teve “um minuto” –;
Quando ele morreu
As bandeiras não foram hasteadas à meio-mastro;
Quando ele morreu
Não lhe honraram nenhum epitáfio;
Quando ele morreu
Não deixou espólio nem lembranças duradouras;
Quando ele morreu
Deixou vaga a cadeira no curso de música onde aprendia a tocar violão – agora não aprenderia mais nada –;
Quando ele morreu
Deixou roupa suja pra lavar,
Deixou alguns consertos domésticos inacabados,
Deixou de fazer o favor de pagar o aluguel em dia ao senhorio,
Deixou de assistir às estréias do mês no cinema;
Quando ele morreu
Passou a residir no túmulo 22B, tendo, do seu lado esquerdo o 21B e à direita o 23B – e nunca mais recebeu correspondência –;
Quando ele morreu
Não deixou herdeiros nem promessas;
Quando ele morreu
Levou consigo frustrações, sonhos e segredos inúteis;
Quando ele morreu
Ninguém refletiu sobre a brevidade da vida;
Quando ele morreu
Outros tantos morreram e muitos outros nasceram;
Quando ele morreu
Nada de tão importante aconteceu;
Quando ele morreu
O único fato relevante que quem está lendo notou
foi que, quando ele morreu,
O poema, enfim, acabou.

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