14 de janeiro de 2007

Dia Perdido (conto)

Achei estranho quando olhei pro lado e vi o cara quase se encostando em mim; ambos, ele e eu, já estávamos na livraria há alguns minutos, mas não trocamos palavra, nem sequer nos conhecíamos. Só entendi sua postura quando ele bateu no abdome e o som produzido foi seco, só aí entendi que ele estava roubando livros. Saí de perto dele para que ninguém pensasse que eu era seu cúmplice; fui embora sem ter comprado nada, os livros que eu queria não tinham no estoque, só por encomenda. Que desperdício encher prateleiras com livros de Paulo Coelho, Zíbia Gaspareto e Roberto Chinyashiki, enquanto os bons autores de verdade não têm espaço para suas obras. Fui ao banheiro e enquanto urinava reparei no piso que de tão liso e limpo que dava até pra ver o reflexo de quem estava no privativo ao lado; o cara fazia movimentos repetitivos, não demorou muito para entender que ele estava se masturbando. Saí fora logo do banheiro e do shopping. Ao passar por um bar quase levei uma cusparada de um bêbado desavisado. Começou a chover e eu sem guarda-chuva; me molhei todo, fiquei parecendo um cachorro molhado, fedendo a papelão sujo. Passei pelos mendigos, pelos postes fedendo a urina, pelas pessoas mal educadas que andavam se esbarrando, despreocupadas, atrás de presentes para dar no natal; fui meio sem rumo, querendo algo mais de um dia de folga perdido, não aproveitado. Acabei me convencendo de que nada mais adiantaria continuar ali; baixei a cabeça e tomei o caminho do ponto de ônibus. Não demorou muito e eu já estava dentro do busão que me levaria de volta para o inferno.

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